BC liquida Master em fraude de R$ 12 bilhões
O Banco Central decretou a liquidação extrajudicial do Banco Master, ontem, um dia após a instituição anunciar o interesse de compra pelo Grupo Fictor, patrocinador do Palmeiras, em meio às suspeitas de fraudes bilionárias que podem ser uma das maiores do Sistema Financeiro Nacional (SFN) do país.
Em nota, o BC informou que a decisão foi motivada "pela grave crise de liquidez do Conglomerado Master e pelo comprometimento significativo da sua situação econômico-financeira, bem como por graves violações às normas que regem a atividade das instituições integrantes do SFN". Após a liquidação, o Grupo Fictor anunciou, por meio de nota, que desistiu da compra do Master.
O anúncio do BC ocorreu em meio à Operação Compliance Zero, da Polícia Federal, que culminou na prisão do dono do Master, o banqueiro Daniel Vorcaro, quando ele tentava deixar o país rumo ao paraíso fiscal de Malta, na Europa, no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos (SP), na noite da véspera. A autoridade monetária informou que outras empresas do grupo também foram liquidadas, como Banco Master de Investimento S/A, Banco Letsbank S/A, Master S/A Corretora de Câmbio e Regime Especial de Administração Temporária (Raet) do Banco Master Múltiplo. O conglomerado do Master detém 0,57% do ativo total e 0,55% das captações totais do SFN, segundo o BC.
A operação da PF identificou a emissão de títulos de crédito falsos pelo Master que eram adquiridos pelo Banco de Brasília (BRB), que havia anunciado a intenção de comprar o banco de Vorcaro em março deste ano, mas o Banco Central vetou a operação em setembro. Segundo a decisão judicial que autorizou Compliance Zero, o BRB injetou R$ 16,7 bilhões no Master entre 2024 e 2025. Desse total, pelo menos R$ 12 bilhões estão relacionados a operações com indícios de fraudes.
De acordo com a decisão judicial, "a solução do Grupo Master para aportar recursos muito superiores à sua produção histórica, e capazes de cobrir o rombo de R$ 12 bilhões, consistiu em se associar ilicitamente a uma Sociedade de Crédito Direto, com o objetivo de inflar seu patrimônio artificialmente, por meio da aquisição de carteiras de créditos inexistentes e revendê-las ao BRB."
As investigações da PF apontam que o Master tentou justificar a operação junto ao BC com documentos falsificados. Segundo as apurações, integrantes da cúpula das instituições financeiras teriam fabricado cerca de 20 títulos de crédito fictícios para justificar a transferência, realizada entre janeiro e maio de 2025. Os supostos títulos foram registrados em cartório em São Paulo, em abril deste ano, após solicitação do BC no âmbito da auditoria sobre a compra do banco.
Informações de associações ligadas a Augusto Lima, sócio de Vorcaro no Master, teriam sido utilizadas nos documentos falsos para simular a existência de carteiras de crédito consignado. Mesmo após a rejeição da operação pelo Banco Central, o BRB continuou transferindo recursos, levando as autoridades a entender que os crimes estavam em andamento.
A Justiça do Distrito Federal determinou o bloqueio de R$ 12,2 bilhões do Master, valor equivalente ao esquema de fraude. Em nota divulgada na noite de ontem, o BRB informou "que nenhum bem da instituição foi bloqueado pela Justiça".
Ontem, a PF também apreendeu R$ 1,6 milhão em espécie, carros de luxo, obras de arte e relógios.
Prisões
A operação levou à prisão de Daniel Vorcaro e ao afastamento do presidente do BRB, Paulo Henrique Costa. Além de Vorcaro, foram presos preventivamente: Augusto Ferreira Lima, ex-CEO do Master; Luiz Antônio Bull, diretor de riscos, compliance, RH, operações e tecnologia; Alberto Felix de Oliveira Neto, superintendente executivo de Tesouraria; e Ângelo Antônio Ribeiro da Silva, sócio do banco. Ao todo, foram emitidos seis mandados de prisão preventiva e dois de prisão temporária.
O tamanho do rombo no sistema financeiro deixado como a liquidação do Master pelo BC ainda é incerto. Ontem, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, informou que o valor dessa fraude pode chegar a R$ 12 bilhões, mas especialistas indicam que os desvios de recursos podem ser maiores, podendo superar R$ 60 bilhões. Segundo eles, como o Master tinha dívida subvalorizada e ativos fictícios, as contas não fechavam para um banco com um patrimônio líquido inferior a R$ 4 bilhões, algo que deveria ter sido identificado mais cedo pelo Banco Central, pelo FGC e pelos atores do SFN.
"O Master vinha apresentando problemas desde o ano passado, pois tinha ativos incertos e passivos certos e não pode sobreviver. O BC realmente dormiu no ponto e só acordou agora", afirmou o ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas Gomes. Ele lembrou que o caso do Master remete a escândalos parecidos, como os dos bancos Comid, Auxiliar e Maisonnave, que foram liquidados pelo BC nos anos 1980.
Outro ex-diretor do BC que pediu anonimato reconheceu que o tamanho da fraude do Master pode ser tão grande quanto a do Nacional, que foi liquidado por conta da emissão de créditos falsos e, em valores atuais, chegaria a R$ 50 bilhões. Segundo ele, o fato de o BC não ter liquidado as subsidiárias Banco Master Múltiplo e a Will Financeira, indica que pode ser que a instituição tenha algum interessado na compra desses ativos.
A saúde financeira do Master vinha sendo questionada por especialistas, por conta do forte crescimento dos ativos e dos passivos em 2024. Os passivos do banco passaram de R$ 36 bilhões, em 2023, para R$ 63,1 bilhões — aumento de 75%. "Se um banco cresce muito rápido, é um sinal de alerta que deveria ter sido monitorado pelo BC, pelo FGC e pelos atores do SFN. Todos cochilaram", avaliou o consultor Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
O economista Pedro Afonso Gomes, conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e ex-presidente do Conselho Regional de Economia da 2a. Região - São Paulo (Corecon-SP), não tem dúvidas de que as fraudes do Master é uma das maiores do sistema financeiro. “Tendo em vista os valores envolvidos, nunca houve desvios dessa natureza, nessa dimensão, do ponto de vista de fraude financeira, ou seja, dentro do âmbito do sistema financeiro”, afirmou.
Especialistas lembram também que a liquidação do Master ainda deverá custar caro para os consumidores, porque os bancos são obrigados a depositar recursos no FGC, que é uma espécie de seguro do SFN, e, com certeza, devem repassar esse custo aos tomadores de crédito. “Hoje, os bancos já embutem esses custos nas taxas de administração de empréstimos. Logo, o custo para o consumidor deverá aumentar”, destacou Pedro Afonso Gomes.
Troster, por sua vez, ressaltou que o sistema financeiro não foi abalado pela liquidação do Master, como acontecia no passado. “O sistema não entrou em risco e quase todo mundo será ressarcido, mas o episódio obriga um aperfeiçoamento no FGC e na fiscalização”, alertou. Para Gomes, o BC deverá aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização do sistema bancário.
De acordo com informações do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que é uma espécie de seguro do sistema financeiro mantido pelos bancos que operam no país, as instituições liquidadas possuem uma base estimada de 1,6 milhão de credores com depósitos e investimentos elegíveis ao pagamento da garantia, que somam um valor aproximado de R$ 41 bilhões. O prazo médio para o início dos pagamentos pelo FGC é de 30 dias, segundo a nota da entidade. Contudo, os valores estão limitados a R$ 250 mil e R$ 1 milhão em até quatro anos.
Conforme dados do FGC, o valor estimado para o pagamento da garantia é provisionado pelo FGC, que, conforme números do fechamento de setembro, possuía um patrimônio de R$ 160 bilhões, dos quais R$ 122 bilhões correspondiam a recursos líquidos em caixa.
Procurada, a Associação Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) informou que os recursos aplicados pelos investidores nos fundos administrados ou geridos pelo Master estão protegidos em uma estrutura separada, que não se confunde com o patrimônio do administrador ou gestor do fundo. “Isso significa que não entram na lista de ativos que poderão ser alvo da liquidação extrajudicial”, acrescentou a nota da entidade.
Fonte: correiobraziliense
